28.2.10

Shutter Island (a cinefilia)

O que dizer sobre Shutter Island? Não é Mean Streets, não é Taxi Driver, não é Goodfellas... Não é o melhor filme de Scorsese nem representa um regresso à pujança crua dos seus melhores, aqueles que deveriam ter recebido os óscares e as consagrações.
Mas saio do filme com duas certezas: Scorsese é um autor e isso hoje em dia vale o que vale (e vale muito). Pode-se criticar o recurso à cinefilia no discurso do realizador para justificar os seus filmes - mas não será esse o mesmo discurso que alguns críticos utilizam para justificar as suas estrelas? A facilidade com que se debitam nomes em vez de ideias depois dos seus filmes não se resume unicamente a um facilitismo do realizador (pelo contrário).
A outra certeza vem daquilo que já escrevi aqui antes. Esqueçamos a conversa - melhor, peguemos nela e atiremo-la para dentro do filme - aquilo que realmente interessa. Para uma obra cuja conclusão dramática será aceitar a realidade, dever-se-ia também tirar essa conclusão para se escrever sobre ele. Scorsese em 2010 nunca poderá ser o que foi em 1970, 80, ou 90. Insistir nisso é bater na tecla errada, é construirmos as nossas desculpas para justificarmos as nossas insatisfações com o presente. Olhar para trás é também resultado da nossa cinefilia (essa "doença", como dizia Truffaut). Será portanto possível olhar para Shutter Island sem pensar naquilo que o seu autor construiu no passado e depois perdeu? A interrogação final do filme parece ser Scorsese a falar com ele próprio: será melhor viver como um monstro ou morrer como um bom homem? Por outras palavras, ser para sempre o desajustado da indústria de que se alimenta ou ser aceite pelos seus filmes de lobotomia? Em 2010, parece querer viver como um bom homem. E se aceitarmos essa realidade, veremos que o nosso saudosismo será tão verdadeiro como as cinzas que se espalham por este filme. Por mim, escrevo: Martin Scorsese, anytime, anywhere. Anytime, anywhere...

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