6.5.10

A aventura

Acordo e durmo estes dias com imagens e cenas recorrentes de L'Avventura de Antonioni. Não foi o filme que mais me impressionou dos que vi dele (como foi L'Eclisse, por exemplo), mas é talvez aquele que mais levo comigo, que me acompanha, lá está, por entre espaços vazios do dia e cheios do imaginário. Não será essa a característica dos melhores filmes?
De tudo aquilo que acontece (parece acontecer ou não acontece...), a ausência vivida nesse filme é aquela que me toca hoje e me leva de volta à paisagem daquele rochedo perdido no meio do mar e das ondas, ou das paisagens interiores de uma Itália pobre e atrasada, mero percurso para as novas aventuras de um casal que se descobre nos espaços dos seus corpos e nos interiores de quartos alugados. Persistem na procura dessa pessoa ausente, até se perder esse motivo e perderem, eles também, os seus próprios motivos. No fim, depois da busca pela ausência, nem a própria ausência fica, apenas o vazio, a recorrência de um acto de final de fuga que acaba por trazê-lo, ainda mais, à realidade da superfície. Essa aventura é o combate contra esse vazio que todos carregam, que eu próprio carrego, na busca da substância. Ela existe e também está em L'Avventura - como no plano do desenho propositadamente derramado pelo arquitecto, que não suporta, naquele momento, um acto de criação pelo acto de criar, um gesto novo e que busca uma perfeição. E se desse conflito sai o desconforto maior de quem está na aventura, saía talvez ainda mais a percepção de um desnorte, do recurso à violência como resposta à aventura já perdida.
A vida sem essa aventura é uma vida sem início, sem percurso. Mas no seu final, o risco do vazio é claro com a ausência daquilo que tínhamos e já não está presente para se amar. Voltará essa personagem desaparecida e que levou os outros à sua volta aos seus pedaços de vazio? Antonioni prefere realçar esse eclipse do que um regresso ou um renascimento, ao contrário de uma resolução mais crente, mais felliniana. Sinto que estou tanto de um lado como do outro - se desinteresso-me sem a aventura, não sobrevivo sem a crença e a esperança na possibilidade das coisas e das pessoas. Por isso, se um dia eu desaparecer, ritornerò.

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