1.6.10

Um prédio, outro país

No vôo de Lisboa para Nova Iorque, a TAP oferece aos seus passageiros a possibilidade de escolher o visionamento (estamos no avião, não no cinema) entre vários filmes portugueses. Fantástico, serviço público, penso eu. Percorro os filmes, lado a lado com as últimas novidades dos Óscares, e vejo que posso escolher, na verdade, entre os seguintes filmes: A Bela e o Paparazzo de António-Pedro Vasconcelos e Contrato de Nicolau Breyner. Ai ai. Deixo-me de "preconceitos" e começo a ver o primeiro. Passados dez minutos, salto para o segundo. E se o início foi o que foi, a queda foi ainda maior.
Desligo o ecrã e penso agora: mas está tudo louco? É disto que querem fazer do cinema português? Contra quem é que as pessoas que fazem estes filmes estão a trabalhar? Que missão têm dentro das suas cabeças para fazer destes - e sublinhe-se, apenas estes - como os filmes manifesto do que o cinema português deveria ser?
Entre a plasticidade, a falsidade do cinema "à papa" (contra o qual Truffaut, esse nome tão invocado em vão, lutou fervorosamente), do paternalismo e da fabricação de uma imagem totalmente mentirosa de uma vida portuguesa de pátio que é, no fundo, A Bela e o Paparazzo, perco as palavras para descrever o que será aquele objecto que vi naquele ecrã português que se chama Contrato. Provavelmente, pessoas que têm vergonha da sua cultura e do seu país para achar que uma indústria cinematográfica portuguesa deve ser feita de filmes "falados" em inglês (murmurados e com erros de gramática estampados nos seus adereços) com uma estética que lembra os últimos canais de um serviço de televisão de cabo de pacote. E escrevo, com todas as palavras que merece, o que um filme destes é para a inteligência de quem "espera", se alguém espera, pelo cinema: um insulto. Felizmente, estes filmes reduzem-se com o tempo àquilo que são. São filmes que transpiram por um reconhecimento de "lá fora" a partir do "cá dentro". Olhemos então "para fora" e para os seus números: que filmes estão nos festivais, nos seus mercados, que filmes são vendidos e vistos? A guerra que querem fazer nem existe.
E regresso a um texto que ganha (a ler aqui), de facto, todo o sentido, depois de ver "a glimpse" do que estes objectos são, nem que tenha sido por meros vinte minutos, meia hora, dentro de um avião, entra essas duas terras imaginárias, exemplos de uma luta fabricada para quem tanto detesta aquilo que é.

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